Braskem em Maceió: A Herança de Danos Ambientais e a Luta por Justiça

 

Atividade de mineração deixou um rastro de impactos geológicos e ambientais que ainda estão em curso | Foto: Itawi Albuquerque / TNH1

Desde 2018, o Brasil tem enfrentado um dos mais graves desastres ambientais urbanos, envolvendo a mineração de sal-gema em Maceió, operada pela gigante petroquímica Braskem. O problema emergiu com tremores e rachaduras no solo, que provocaram a evacuação de cerca de 60 mil pessoas de cinco bairros da capital alagoana.

 Este evento não se limita a danos urbanísticos e socioeconômicos, pois os impactos ambientais têm sido devastadores, afetando ecossistemas frágeis e a subsistência de muitas famílias.

A Mineração de Sal-Gema e a Instabilidade Geológica

A exploração de sal-gema pela Braskem começou na década de 1970 e continuou até 2019. O sal-gema é uma matéria-prima essencial para a produção de PVC e soda cáustica, ambos utilizados em uma ampla gama de indústrias. 

A extração ocorre por meio de poços profundos, que atingem até 1.200 metros de profundidade. A água pressurizada é injetada para dissolver o sal, que é posteriormente extraído na superfície. No entanto, esse processo criou cavernas subterrâneas, causando instabilidade no solo.

Em 2018, um tremor de terra marcou o início de um drama que se estende até hoje. Investigações conduzidas pelo Serviço Geológico do Brasil confirmaram que a mineração foi a causa do desmoronamento das minas subterrâneas, o que provocou o afundamento do solo e graves rachaduras em imóveis e infraestruturas urbanas​

Como resultado, cinco bairros foram progressivamente esvaziados, transformando áreas inteiras em "bairros fantasmas", com edifícios comerciais, escolas e hospitais abandonados​.

Consequências Ambientais

Além dos impactos urbanos, a mineração de sal-gema provocou danos ambientais substanciais. Entre os mais graves estão a salinização de aquíferos subterrâneos e a destruição de importantes ecossistemas costeiros, como manguezais e restingas. Esses ambientes são cruciais não só para a biodiversidade local, mas também para a regulação de processos ecológicos, como a purificação da água e a proteção contra erosão​.

Na região da Laguna Mundaú, a situação é particularmente crítica. A elevação dos níveis de salinidade na laguna tem prejudicado a fauna local, incluindo o sururu, um molusco de extrema importância para a subsistência dos pescadores e marisqueiras da área. Além de ser uma fonte de renda, o sururu desempenha um papel ecológico vital, ajudando a filtrar e limpar as águas da laguna. Com a diminuição dessa população, muitos moradores enfrentam dificuldades econômicas, agravando a vulnerabilidade social já causada pelo deslocamento forçado​.

Outro aspecto significativo é o impacto sobre as áreas de manguezal. Mais de 15 hectares de manguezais e restingas foram destruídos desde o início do colapso das minas​. Esses ecossistemas não só fornecem abrigo e alimento para várias espécies, como também são fundamentais para a mitigação de desastres naturais, como inundações.

Cerca de 60 mil pessoas de cinco bairros foram evacuadas desde 2018 como resultado da atividade de mineração de sal-gema. Em dezembro passado, a Mina 18 ruiu, trazendo ainda mais impactos à laguna e ao entorno. Fonte de dados: Braskem; Mapa: Diálogo Chino.

 

Desafios de Compensação e Recuperação

Em resposta ao desastre, a Braskem assumiu a responsabilidade de estabilizar e monitorar as áreas afetadas. Um acordo firmado em 2020 entre a empresa e uma força-tarefa composta por Ministérios Públicos e Defensorias estabeleceu um plano de compensação financeira para os proprietários de mais de 14 mil imóveis desvalorizados ou destruídos​. 

No entanto, muitos moradores reclamam que as indenizações são insuficientes e que a demora nos pagamentos agravou sua situação econômica. Além disso, existem críticas sobre a efetividade das ações de recuperação ambiental propostas pela Braskem, que incluem o plantio de mangues e a criação de redes de monitoramento da qualidade da água​.

Embora a empresa tenha afirmado que cerca de 70% das minas afetadas já foram fechadas e que a conclusão total está prevista para 2025, especialistas ambientais e a comunidade local apontam que o impacto de longo prazo sobre o solo, a água e a biodiversidade é irreparável em alguns casos.

O Futuro de Maceió e Seus Habitantes

A situação em Maceió continua a ser monitorada de perto pelas autoridades, mas os desafios são enormes. A destruição dos ecossistemas naturais e a perda de territórios urbanos têm impactos duradouros, tanto do ponto de vista ambiental quanto social. A salinização dos aquíferos e a diminuição da biodiversidade local exigem estratégias robustas de reabilitação, que vão além das ações de curto prazo até agora implementadas​.

Além disso, a recuperação econômica das famílias deslocadas e a restauração do tecido social dessas comunidades são questões centrais que precisam ser tratadas com mais urgência. A falta de soluções definitivas coloca os moradores em uma situação de incerteza, enquanto os ecossistemas afetados ainda estão longe de serem restaurados.

Em suma, o caso de Maceió ilustra as complexas interações entre a exploração mineral, os desastres ambientais e os desafios da justiça socioambiental. Ele serve como um alerta para a necessidade de regulamentações mais rigorosas e de uma maior responsabilidade corporativa em atividades que afetam diretamente o meio ambiente e as populações locais.

Este caso não apenas destaca os perigos inerentes à mineração em áreas densamente povoadas, mas também expõe as fragilidades dos mecanismos de reparação e compensação em desastres de grande escala. Enquanto as comunidades lutam para se restabelecer, os ecossistemas naturais continuam a sofrer as consequências de uma exploração desenfreada que, apesar das ações paliativas, dificilmente poderá ser completamente revertida.

 

Referências: 

‘Não sobrou nada’: Maceió carrega as cicatrizes ambientais da mineração de sal

 Entenda em 5 pontos o desastre ambiental causado pela Braskem em Maceió


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